Embora alguns se enganem pensando ser sal ou açúcar, os cristais que aparecem nos queijos de massa dura são tirosina, aminoácido resultante de uma longa e boa cura. Muito benéfico, combate cansaço e depressão.
“A tirosina é um aminoácido que resulta da degradação das proteínas do queijo durante a sua cura. Para que os cristais apareçam, um tempo longo de cura é indispensável. Primeiro as proteínas se dividem em peptídeos, e depois em partículas ácidas menores, os aminoácidos” explicou Sébastien Roustel, pesquisador da escola Enilbio de Poligny, na França e co-autor do Guia de Cura* editado pela SerTãoBras.
“Para os cristais serem perceptíveis, é preciso toda paciência do mundo para esperar que as bactérias transformem lentamente as proteínas e ocorra concentração suficiente de tirosina”, disse ele.
Para isso, é preciso que o queijo não tenha excesso de água, senão a tirosina é dissolvida. Ou seja, impossível ter cristais em queijos de massa mole, mesmo envelhecidos. Eles aparecem essencialmente em queijo de massa prensada cozida, em geral após um ano e meio de cura. Quanto mais velhos os queijos, maiores os cristais.
Antes de pensar na tirosina, pense que cada queijo é um mundo de seres vivos invisíveis. Pense na aventura de um leite ao se transformar em queijo: um espaço de convivência de milhões de micro-organismos e substâncias para alimentá-los, em um meio líquido. De repente, começa a coagulação e esse meio se torna um gel, o que dá o aspecto sólido para o leite. Ao se alimentar do açúcar do leite, esses micro seres vivos vão liberar ácido lático que, com as enzimas e minerais, estabelecem ligações entre as caseínas.
“A melhor forma de entender isso é pensar que as caseínas são os ‘tijolos’ e os sais minerais são o cimento, essas ligações dão solidez ao mundo queijo”, disse Sébastien. Se a fermentação láctica acontece de forma bem feita, no dia seguinte da fabricação o queijo já pode ter nenhuma lactose, ou somente traços, porque já foi consumida pelas bactérias lácticas.
A cura do queijo começa na fabricação. O leite tem em média um pH entre 6,6 e 6,8. Na transformação em queijo, a massa passa por uma acidificação e esse meio se torna ácido, pH entre 4,8 e 5,2. Em seguida, vem uma fase alcalina. O pH torna a subir, as proteínas vão sendo cortadas em cadeias mais curtas (peptídeos, depois aminoácidos), o que é maravilhoso para liberar compostos aromáticos diversos.
Estima-se que 80% dos compostos aromáticos presentes no queijo são ligados à degradação dos aminoácidos e sua consequência em rede. Esse fenômeno é chamado proteólise: os micro-organismos vão digerindo o queijo e o resultado é um alimento muitos mais complexo em número de micro-partículas de sabores, por isso às vezes sentimos gosto de caramelo ou abacaxi em queijos muito curados.
QUEIJO COM CRISTAIS DE FELICIDADE
A primeira felicidade de comer um queijo com tirosina é sentir a textura crocante dos cristais provocando as papilas gustativas e derretendo na boca. O efeito psicológico não poderia ser outro: a tirosina cumpre papel ativador dos hormônios da tireoide que combatem ansiedade e depressão. Ela ajuda na formação de neurotransmissores de adrenalina na medula e é considerada antioxidante, ou seja, rejuvenesce**. Por outro lado, Sébastien explica que elas não tem sabor específico, o prazer na hora de degustar o queijo está mais na sensação provocada pela textura.
Atletas têm o hábito de tomar complementos de tirosina que, afetando diretamente os níveis de dopamina, podem combater o cansaço. Outros estudos também parecem indicar que ela pode ser útil na perda de peso.
AÇÚCAR NO LEITE PARA DAR CRISTAIS DE TIROSINA? NÃO!
Depois de lerem informações na internet sobre os cristais de queijo serem feitos de açúcar, alguns leitores escreveram perguntando se é bom colocar açúcar no leite para fazer queijo. Segundo Sébastien Roustel, essa realmente não é uma boa ideia. O leite já tem seu açúcar natural, a lactose, que é consumida pelas bactérias. O açúcar acrescentado vai dar mais trabalho para as bactérias e vai demorar mais para chegar na fase alcalina necessária para a cura. Pode provocar também manchas e defeitos de cura, não favorecendo de jeito nenhum o aparecimento de cristais de tirosina.
Mas doce combina sim com queijo, como o “Romeu e Julieta” imortalizado na goiabada com queijo dos mineiros . Uma boa ideia são os queijos frescos de Minas recheados com goiabada, bananada e doce de leite. Junto a produtores do Serro, o Núcleo de Estudos e Extensão em Ciência e Tecnologia de Produtos de Origem Animal (NEPOA) desenvolveu um estudo*** sobre a técnica de fabricar queijos com goiabada ou bananada no interior. Os queijos são do tamanho de um queijo minas, são firmes e podem ser curados normalmente.
Fontes:
*Guia de Cura de Queijos, autores Débora Pereira, Arnaud Sperat Czar e Sébastien Roustel, 2017.
** Quer saber mais sobre os benefícios da tirosa? Leia o estudo: “The effects of tyrosine depletion in normal healthy volunteers: implications for unipolar depression.”
***Artigo: Queijos recheados com doces amarelam e ficam firmes.
Jornal O Estado de São Paulo