Impactos causados pelas mudanças climáticas no gado e na produção de leite

As mudanças climáticas já fazem parte da rotina e influenciam diretamente diversos setores produtivos. No Brasil, onde as variações de temperatura se intensificaram nos últimos anos, a pecuária leiteira se destaca entre as atividades mais afetadas. O setor, essencial para a economia nacional, é altamente vulnerável às oscilações ambientais, que impactam o bem-estar dos animais e a qualidade e quantidade do leite produzido.

Entre os desafios climáticos, o calor excessivo se destaca como um dos principais fatores de risco, podendo até causar mortalidade quando não há manejo adequado.

Diante desse cenário, torna-se fundamental adotar estratégias que reduzam os impactos do clima, garantindo a sustentabilidade da produção e protegendo a saúde do rebanho.

 

Impactos diretos no gado e na produção de leite

À medida que a produção de leite aumenta, a vulnerabilidade do rebanho também cresce, tornando os animais mais sensíveis às variações climáticas. O conforto térmico das vacas leiteiras situa-se entre –5 °C e 25 °C, devido ao alto metabolismo desses animais. Em temperaturas elevadas, o equilíbrio térmico torna-se mais difícil de manter, causando alterações comportamentais.

Animais expostos a calor excessivo tendem a se movimentar menos, permanecendo deitados por longos períodos para tentar regular a temperatura corporal pelo contato com o solo. Sinais desse desconforto incluem:

  • Diminuição do consumo de matéria seca;
  • Aumento do consumo de água;
  • Respiração ofegante, com maior transpiração e salivação;
  • Elevação da frequência respiratória e cardíaca.

Esses comportamentos são úteis para identificar quando o gado sofre com temperaturas adversas, principalmente em pastagens, onde os animais buscam áreas sombreadas, reduzindo o tempo de pastejo.

Vacas pastando em um campo verde

Além das alterações comportamentais, o calor excessivo impacta diretamente a produção de leite. Vacas que ingerem menos alimento e gastam mais energia para se resfriar apresentam queda significativa na produção, que pode variar entre 15% e 20%, segundo pesquisas da Fundação Roge. O tempo prolongado em posição deitada também prejudica a circulação sanguínea na glândula mamária, cerca de 500 litros de sangue são necessários para a produção de 1 litro de leite.

A exposição prolongada a altas temperaturas aumenta a probabilidade de problemas de saúde, podendo levar à morte. Entre os principais riscos estão doenças respiratórias, mastite, distúrbios imunológicos, acidose por dietas desbalanceadas e problemas de casco.

Vale destacar que as mudanças climáticas não apenas o calor extremo, mas também condições de frio, seca ou excesso de chuva podem provocar diversos problemas de saúde no gado leiteiro, afetando diretamente seu desempenho produtivo, a reprodução e o bem-estar animal.

 

Impactos indiretos

As mudanças climáticas também geram impactos indiretos no gado e na produção de leite, causando uma série de desafios que vão desde problemas reprodutivos até alterações na qualidade do leite.

Desafios na reprodução

Muitas fazendas leiteiras no Brasil enfrentam dificuldades para manter uma reprodução eficiente, e essas dificuldades se intensificam com mudanças climáticas repentinas. A reprodução bovina é altamente sensível às variações ambientais, exigindo cuidados constantes durante toda a gestação, tanto em períodos seco, quanto úmidos. Em episódios de calor extremo, os impactos são ainda maiores, pois o estresse térmico altera diretamente a eficiência reprodutiva, afetando tanto a vaca quanto o bezerro em desenvolvimento.

Vacas que passam por esse problema de saúde apresentam alterações hormonais significativas. Estudos mostram menor concentração plasmática de estradiol, hormônio essencial para a reprodução. A redução do estradiol interfere na síntese de Hormônio Liberador de Gonadotrofina (GnRH), comprometendo também a produção de Hormônio Luteinizante (LH) e Hormônio Folículo-Estimulante (FSH). Como consequência, observa-se menor duração do cio, baixa taxa de ovulação e redução da qualidade folicular.

Bezerros desenvolvidos no útero de vacas sob essa condição sofrem efeitos duradouros, que afetam tanto o desempenho produtivo quanto o reprodutivo ao longo da vida. Entre os principais efeitos observados estão:

  • redução do tempo de gestação (entre 4 e 5 dias);
  • menor peso ao nascer e na desmama;
  • alterações no metabolismo energético;
  • menor estatura e maior deposição de gordura corporal;
  • desvio de energia para tecidos periféricos, favorecendo acúmulo de gordura;
  • redução de proteínas plasmáticas e menor absorção de Imunoglobulina G (IgG);
  • diminuição da proliferação de linfócitos e monócitos, resultando em resposta imune deprimida;
  • novilhas provenientes de gestações sob o estresse térmico apresentam menor desempenho reprodutivo;
  • redução da produção de leite na primeira lactação, indicando possível programação metabólica para menor produtividade ao longo da vida.

Estudos recentes indicam que esses efeitos podem se estender às gerações seguintes, evidenciando um possível mecanismo de herança epigenética.

Além disso, vacas que enfrentam esse problema durante a gestação têm maior chance de desenvolver doenças puerperais no pós-parto, como retenção de placenta, metrite e cetose.

 

Desafios na Qualidade do leite

Em períodos de calor, a produção tende a diminuir, pois as vacas desviam sua energia para regular a temperatura corporal. Porém, não é apenas o volume que se altera: a composição do leite também muda. A redução da gordura ocorre devido a alterações nos triglicerídeos e lipídeos polares.

Em situações de estresse térmico, há também redução das proteínas do leite. Isso ocorre devido ao maior catabolismo muscular, aumentando o nitrogênio ureico e diminuindo a capacidade de síntese proteica na glândula mamária, resultando em menor teor de caseína. A queda dos sólidos do leite, somada à redução da produção, gera grandes perdas econômicas para as fazendas.

 

Efeitos dos diferentes tipos de clima no gado

No Brasil, são comuns mudanças climáticas bruscas, como variações de 14 °C para 29 °C em poucos dias. Essas alterações afetam o bem-estar dos animais, a produção e até a qualidade do leite. Cada tipo de clima traz desafios específicos:

  • Clima Quente: causa problemas imunológicos, perda de peso, redução da produção de leite, dificuldades reprodutivas e outros prejuízos.
  • Clima Frio: afeta principalmente raças europeias, causando hipotermia, perda de peso, baixa produção de leite e riscos para bezerros recém-nascidos.
  • Clima Chuvoso: aumento da umidade favorece doenças de casco, parasitas, estresse e distúrbios imunológicos.
  • Clima Seco: a escassez de água prejudica o gado a pasto, causando desidratação e outros problemas de saúde.

 

Desafios específicos no gado

Os principais desafios enfrentados pelo gado leiteiro incluem o estresse térmico no calor, problemas relacionados ao frio e diversas complicações decorrentes das mudanças de temperatura. A saúde, o bem-estar, a reprodução e a imunidade do rebanho são diretamente impactados.

Vacas prenhas expostas ao estresse por calor podem gerar bezerros com problemas de saúde, produção, imunidade e maior risco de mortalidade, esses efeitos podem se estender às gerações seguintes.

Além disso, o gado criado a pasto tende a sofrer ainda mais com essas variações climáticas, especialmente raças de origem europeia, que não são naturalmente adaptadas às condições climáticas brasileiras.

Gado bebendo água

 

Estratégias e soluções para lidar com os impactos

Existem diversas estratégias para reduzir os impactos das mudanças climáticas na produção de leite, algumas de maior custo e outras mais acessíveis:

  • Uso de instalações como free stall ou compost barn, equipadas com ventiladores, nebulização ou aspersão.
  • Para gado a pasto: escolha de raças adaptadas, estudo do clima da região e manejo diário eficiente.
  • Disponibilização de água limpa e fresca sempre, além de áreas sombreadas naturais ou artificiais.
  • Nutrição adequada, garantindo saúde, reprodução e longevidade produtiva

 

Conclusão

As mudanças climáticas causam diversos problemas para o gado leiteiro, especialmente para animais criados a pasto, mais expostos às variações ambientais. No entanto, com estratégias de manejo adequadas e cuidados eficientes, é possível reduzir esses impactos tanto para o produtor quanto para o bem-estar animal.

Embora não seja possível eliminar totalmente os efeitos das mudanças climáticas, é viável minimizá-los por meio de manejo adequado, instalações apropriadas e atenção à nutrição e ao conforto térmico. O estresse térmico não afeta apenas a vaca que o vivencia, mas também suas futuras gerações. Assim, compreender como o clima interfere na produção, saúde e reprodução do gado é essencial para implementar medidas que garantam a sustentabilidade da atividade leiteira.

 

Referências

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GONSALES, Stephanie. Mudanças climáticas: efeitos e soluções para a produção de leite. MilkPoint, 19 fev. 2024. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/colunas/interleite-sul/mudancas-climaticas-efeitos-e-solucoes-para-a-producao-de-leite-236213/. Acesso em: 12 nov. 2025. 

MILKPOINT. Impacto das mudanças climáticas na produção leiteira. MilkPoint, 10 jun. 2024. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/colunas/lipaufv/impacto-das-mudancas-climaticas-na-producao-leiteira-237020/. Acesso em: 12 nov. 2025. 

MILKPOINT. O impacto do clima na produção de leite e como os produtores estão se adaptando. MilkPoint, 19 ago. 2025. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao-de-leite/o-impacto-do-clima-na-producao-de-leite-e-como-os-produtores-estao-se-adaptando-239128/. Acesso em: 12 nov. 2025. 

REHAGRO. Desafios climáticos na produção de leite. Rehagro, [s.d.]. Disponível em: https://rehagro.com.br/blog/desafios-climaticos-na-producao-de-leite/. Acesso em: 12 nov. 2025.